Se existe algo que nunca estamos preparados – pelo menos aqui no ocidente – é para o fim da vida de alguém; quando isso acontece, perdemos o chão, não sabemos o que pensar, principalmente se você esteve ativamente envolvido nos últimos dias com quem partiu.
Nunca pensamos que amanhã essa pessoa pode não estar mais por perto, ficamos apenas envolvidos nos pensamentos como: depois eu ligo, vou mandar uma mensagem, no final de semana eu procuro ele ou mando uma mensagem pelo Facebook. Talvez a facilidade que a tecnologia nos trouxe para se comunicar com alguém também nos deixou mais distante do outro.
Já faz alguns dias que venho ensaiando escrever esse post, mas as vezes passamos por um momento na vida que é preciso respirar fundo e dizer para si mesmo: neste momento não tenho condições de nada. E de verdade talvez eu não tenha condições de nada, talvez este seja apenas o momento de assumir o luto de um filho que enterrou o pai.
A questão é que a vida não pára, minha vida não pára e todos os planos não param, mas posso assumir que eles estão seguindo um tempo diferente e não mais o tempo linear; o tempo de Kronos (Crono – o Deus da mitologia grega) ou Khrónos e sim o tempo de Kairós. Antes de prosseguir, deixe-me explicar um pouco sobre esses termos, Kronos (ou Crono) e Kairós.
Quando estamos falando a respeito do tempo, como é de costume, estamos falando de um tempo que segue um sequencia lógica e linear, eu poderia relacionar esse tempo com o dizer popular; “nada como um dia após o outro”, esse tempo também está relacionado com a mitologia grega e Junito de Souza explica que:
Por um simples jogo de palavras, por uma espécie de homonímia forçada, Crono foi identificado muitas vezes com o Tempo personificado, já que, em grego, Xpóvoç (Khronos) é o tempo. Se, na realidade, Krónos, Crono, nada tem a ver etimologicamente com Khrónos, o Tempo, semanticamente a identificação, de certa forma, é válida: Crono devora, ao mesmo tempo que gera; mutilando a Úrano, estanca as fontes da vida, mas torna-se ele própria uma fonte, fecunda Reia.
E se pararmos para pensar o tempo realmente não pára, criando e destruindo a si mesmo. Agora falando um pouco sobre o tempo de Kairós. A palavra de origem grega também quer dizer tempo, mas de uma forma diferente pois quer dizer o tempo certo ou momento certo. E através do tempo de Kairós é que podemos falar: tudo acontece no seu tempo.
Muito bem, agora que sabemos um pouco mais sobre essa questão do tempo, vamos em frente.
Há 3 meses eu estava me casando, estava mudando este site e preparando muitas coisas para o consultório, aproveitando o casamento e me adaptando a com nova vida de casado. Um dia recebo a ligação do meu pai falando que estava internado com dores no abdomen do lado direito, um pré diagnostico logo apontou para um problema de fígado.Em questão de 12 dias, entre uma operação e uma transferência de hospital, meu pai faleceu, assim rápido, sem nenhum aviso, apenas o alerta de ter sido levado para a UTI no momento em que foi transferido.
Quando algo assim acontece, nós percebemos a nossa condição humana, percebemos que nossa vida tem um fim e nunca pensamos na morte, nunca queremos pensar que um dia eu não estarei mais aqui neste mundo, por isso, quando alguém quer vender um seguro de vida com um bônus de auxílio-funeral, nem queremos saber, afinal, o pensamento mágico logo surge:
Quem disse que vou morrer logo! Afinal, tenho muitas coisas para fazer ainda…
Somente quando vemos a vida de alguém se apagando em questão de horas é que entramos em contato com a fragilidade da vida. Neste momento é que começamos a pensar em todas as coisas que não realizamos, nas ligações que recebemos e não retornamos, na mensagem de aplicativos que deixamos para ver só depois, no encontro que desmarcamos ou naquele momento que sempre ficamos esperando para dizer “Eu te amo” mas nunca falamos.
Esses são os pensamentos que ficam girando em nossa cabeça, sem falar que ficamos repassando os últimos dias e pensando nas coisas que poderiam ter sido feitas na tentativa de mudar o fim da história, como se de alguma forma tivéssemos poderes divinos para salvar ou mudar o destino de alguém.
Então o que eu tenho me permitido nestes dias é vivenciar esse luto, vivenciar essa tristeza que se dá com a morte de alguém querido, e que muitas vezes, acreditamos que aquela dupla de heróis que temos em casa, e que chamamos de pai e mãe, são de alguma forma invencíveis mas, quando um deles se encontra na eternidade do silêncio e total ausência física, é que caímos de volta na realidade e lembramos que nunca mais iremos interagir ou falar com aquela pessoa.
Contudo existem algumas coisas que me ajudam e ajudaram nestes dias; primeiro, as coisas que acredito, e uma delas está no livro tibetano dos mortos e a ideia geral é: quando olhamos para a morte estamos olhando para a vida. Muitas coisas são passageiras e ilusórias e que nada é permanente; nas palavras de Gyalsé Rinpoche:
Planejar o futuro é como ir pescar numa ravina seca;
Nada sai como você quer, portanto abandone todos os seus esquemas e ambições.
Se você tem que pensar em alguma coisa –
Pense na hora incerta de sua própria morte…
E em outra passagem Sogyal Rinpoche fala:
Ter a impermanência no coração é tornar-se lentamente livre da ideia de apego, na nossa visão distorcida e destrutiva de permanência, da falsa paixão pela segurança que usamos como base para tudo que construímos.[…] Vamos olhar para dentro.
E assim, quando deixo de olhar para fora, para aquele tipo de relação que eu tinha com meu pai, e passo a olhar para dentro percebo que aqui dentro ele se encontra mais vivo do que nunca e que a eternidade não se encontra fora e sim dentro.
Apesar de tudo isso que eu acredito e sustento, ainda sim é difícil lidar com a partida dele, essa é a minha condição humana da qual não posso me esquivar por mais que eu tenha conhecimento, por mais que eu estude e me prepare para estar com outras pessoas.
Daniel Gomes
psicoterapeuta junguiano
daniel@conhecendojung.com.br