Bom já que eu estava falando um pouco sobre ego, essa semana me lembrei do mito de Belerofonte e a Quimera. Através deste mito podemos entender o que acontece quando temos o ego inflado, ou Hybris, termo grego que segundo Edinger, representa a arrogância humana que se apropria daquilo que pertence aos deuses. (Edinger, 2006, p.57)
O mito de Belerofonte começa de forma trágica; logo após os ritos iniciáticos, mata o irmão sem querer. Exilado, viajou para Tirinto e lá foi purificado pelo rei chamado Preto. Durante sua estadia em Tirinto, a esposa do rei, Antéia se apaixona perdidamente pelo herói, mas diante da recusa de Belerofonte a rainha o acusa falsamente de tentar violentá-la.
Diante das acusações de sua esposa, Preto, enfurecido com o hóspede, porém, se sentido impedido de matar a quem havia purificado, decide enviá-lo a seu sogro Lóbate, rei da Lícia, com uma carta em que solicitava a morte para Belerofonte. Não desejando violar a sagrada hospitalidade e porque também já havia sentado à mesa para comer com ele, o que estabelecia para os antigos uma profunda identidade, submeteu-o às já conhecidas tarefas de purificação. Para não manchar suas mãos e, ao mesmo tempo, desejando satisfazer e cumprir a mensagem do genro, Lóbate pediu para Belerofonte que matasse Quimera um monstro com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. É importante citar que ainda existe uma variação sobre a apresentação de quimera com três cabeças: uma de leão, a segunda de cabra e a terceira de serpente e que lançava chamas pelas narinas.
Em auxílio ao inocente herói segundo a versão mais seguida, Atena entrega o cavalo Pégaso, já selado. (outras tradições, porém, relatam que o cavalo alado foi um presente de Posídon ao herói) Cavalgando o cavalo Pégaso, Belerofonte venceu facilmente a Quimera, o cavalo divino elevou-se no ar e com apenas um golpe o herói mata o monstro. Lóbate enviou-o então contra os Sólimos, que habitavam as vizinhanças da Lícia, eram ferozes e belicosos, mas facilmente o herói os venceu. O rei impressionado com a vitória deu-lhe outra tarefa, bem mais séria e arriscada, a nova missão era para derrotar as terríveis Amazonas e mais uma vez, montando Pégaso, fez um grande massacre.
Sem saída e não querendo decepcionar seu genro, o Rei Lóbate reuniu um numeroso grupo dos mais bravos de seus guerreiros para matar o grande herói, mas nenhum dos soldados regressou, Belerofonte matou a todos. Admirado com as vitórias e reconhecendo origem divina, Lóbate mostra ao herói a carta de Preto, recomendando sua morte, ao mesmo tempo da mão da filha Filônoe em casamento e, ao morrer, lhe entregou o trono.
Belerofonte, após saber das calúnias, voou com Pégaso para Tirinto. O rei Preto sabendo, procurou ganhar tempo, a fim de que sua esposa Antéia pudesse fugir, furtando o cavalo alado. A rainha cavalgou pouco tempo, porque Pégaso a lançou fora, atirando ao mar.
Belerofonte sonhou alto demais e cavalgando seu corcel alado, o herói, ferido de orgulho, após tantas vitórias memoráveis, conquistadas com o respaldo divino, tentou nada mais nada menos que escalar o Olimpo. Zeus, velando ordem cósmica, lança um raio para impedi-lo, fazendo-o regredir ao telúrico e assim banalizado.
Podemos analisar o mito da seguinte forma :
A saga do herói começa a partir do momento em que foi enviado para morrer no Reino de Ióbates, sua missão, matar a Quimera. Podemos evidenciar uma característica comum entre os mitos conforme descrito por Joseph Campbell, o herói sempre recebe uma ajuda de um ser sobrenatural, neste caso Atena que lhe dá o cavalo alado Pégaso, ou seja, um animal que tem passagem entre o mundo da consciência e o da inconsciência, Pégaso pode estar na terra caminhando como um cavalo ou nos céus voando como um pássaro.
É importante recordar que Jung fala a respeito do perigo de sucumbir ao fascínio exercido pelo que é proveniente do inconsciente, neste caso, o presente dos deuses para Belerofonte, o cavalo Pégaso com toda sua força e a beleza, podemos entender que o herói toma para si algo do inconsciente coletivo, afinal ao montar Pégaso se torna um monstro, segundo Junito de Souza se torna um Centauro.
Antes de prosseguir na analise do mito é importante ressaltar alguns pontos sobre Pegasos e a Quimera. Segundo Junito de Souza, Pégaso além de ser um animal divino é também a representação dos imaginação criadora, mas ao ser montado por Belerofonte, representa os instintos animalescos, a imaginação exaltada, já que Pégaso seria uma fonte de inspiração poética. A Quimera conforme Paul Diel, Quimera é sinônimo de imaginação perversa ou desejos exaltados, que neste caso é a perversão espiritual , sexual e social. Cada um destes desejos representados pelas 3 cabeças da Quimera.
Belerofonte montado no cavalo alado derrota a Quimera com um só golpe e após sua grande vitória, vence todos os outros desafios, aniquilando todos os outros inimigos enviados por Ióbates, assim como a Quimera que devastava o pais onde vivia. Após matar todos seus inimigos Belerofonte voltou para se vingar da esposa do rei Preto.
Tomado pela vontade de poder depois de vencer tudo a sua frente Belerofonte não se viu satisfeito, e almejou mais, acreditou que era um deus, que seu lugar era no Olimpo. Em sua escalada ao monte mais alta, Zeus se irritou e atacou o herói com um raio, de forma que Belerofonte cai na terra novamente, sem seu cavalo alado. Quando não prestamos atenção aos sinais das profundezas de nosso ser, somos tomados por essas forças representadas pela autonomia dos nossos complexos, Belerofonte talvez seja o maior exemplo da sombra representada neste mito por essa vontade de poder.
A grande catarse representada pelo raio de Zeus oferece ao nosso herói uma nova consciência, percebendo que um monte menor pode ser escalado.
Em nossa conclusão podemos perceber uma característica inflação do ego neste desejo inesgotável de poder ao acreditar que era um deus, começando por sua vitória contra a Quimera, não se tornou ele própria uma Quimera ou um monstro centauriano devastando tudo que fosse em sua direção.
Quantas pessoas não encontramos em nosso dia a dia achando que é um deus invencível, onde o presente dos deuses, o pegasus é o cargo que lhe foi dado ? Nosso herói se esquece de sua condição humana, e quantos de nós não nos encontramos varias destas figuras em nosso dia a dia, ou mesmo nós mesmos ao agirmos de formas que não reconhecemos ao final de um dia de trabalho.
Reconhecer quem somos, reconhecer quais nossas sombras é sempre o primeiro passo em direção ao processo de individuação de cada um de nós.
Daniel Gomes
Analista junguiano
dgterapia@gmail.com
referencias:
Brandão, J. d. (2009). Mitologia Grega V. III. Petrópolis: Vozes.
Brandão, J. d. (2009). Mitologia Grega V.I. Petrópolis: Vozes.
Brandão, J. d. (2009). Mitologia Grega V.II. Petrópolis: Vozes.
Campbell, J. (1995). O herói de mil faces. São Paulo: CULTRIX/ PENSAMENTO.
Hall, C. S., & Nordby, V. J. (2005). Introdução à Psicologia Junguiana. São Paulo: Cultrix.
Jung, C. G. (2011). Aion – Estudo sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Vozes.
Jung, C. G. (2011). O Eu e o inconsciente . Petrópolis: Vozes.
Jung, C. G. (2011). Os arquetipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes.
Edinger, Edward F. (2006). Ego e arquétipo
Edinger, Edward F. (2006). Ego e arquétipo
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