Pais, Filhos e terapia : Um olhar junguiano sobre os problemas infantis

No ultimo post falamos um pouco sobre ter um filho ou ser mãe, neste vamos falar dos pais e os filhos.
O que me chamou a atenção após a publicação deste post foi a quantidade de pessoas perguntando se nós atendemos crianças. E em muitos casos, fica muito claro que o melhor a indicar é uma terapia com os pais, mais do que com os filhos.
 
Quando chega um adolescente para nós, conseguimos desenvolver um trabalho muito bacana com eles, pela aceitação e disponibilidade que eles estão demonstrando em olhar para si, para a família, para a dinâmica da vida deles. Mas quando temos uma criança muito pequena, fica claro que ela está ficando perturbada pela quantidade enorme de conteúdos da família – principalmente pai e mãe – que inconscientemente ela absorve e evidentemente não sabe lidar com todos esses conteúdos.
 
E isso é uma novidade para os pais, pois nunca foi falado para eles como é que uma criança se comporta psiquicamente nos primeiros anos de vida. Entendemos quando aparece uma resistência desses pais que acreditam que estão fazendo o melhor para os seus filhos e que seria tudo um problema exclusivamente da criança. Mas o principal a se destacar – e a tratar, é claro – é que mais do que palavras, crianças aprendem com exemplos. Mais do que se é dito ou mostrado, criança vive e sente tudo o que os pais estão sentindo.

Conforme explica Jung:

“A criança se encontra de tal modo ligada e unida à atitude psíquica dos pais, que não é de causar espanto se a maioria das perturbações nervosas verificadas na infância devam sua origem a algo de perturbado na atmosfera psíquica dos pais.”(Jung, p. 49)

Carlos Byington disse em um simpósio recente que não se deveria tentar interpretar ou analisar uma criança com menos de 12 anos pois eles ainda não tem o ego totalmente estruturado – tudo é uma repetição do padrão dos pais. E eu concordo com esta visão pois vejo na prática como é pesado fazer com que a criança se responsabilize pela angustia sentida.
 
Entendo que o principal fator de neurose de uma criança tenha como ponto de partida os pais. É claro que podemos considerar todos os ambientes de convívio da criança, mas aqui quero abordar apenas o ambiente familiar.
Uma mãe certa vez ficou surpresa quando falei que seu filho podia não saber de todos os seus problemas no casamento mas, certamente o filho sentia e absorvia todos esses problemas de forma totalmente confusa, sem saber exatamente oque são todos esses novos sentimentos e sensações nunca antes experimentados. 
O que precisamos tem em mente – assim como qualquer terapeuta deveria ter- é a possibilidade de que os problemas de hoje tiveram origem no passado, e neste caso no passado dos pais.
 
Para abordar esse assunto Jung usou o conceito de identidade, exposto através dos estudos dos povos primitivos realizado por LÉVI-BRUHL usando o termo participation mystiquc (“Participação mistica”). 
Jung explica que:

“A identidade provém essencialmente do estado de inconsciência em que se encontra a criança pequena, fato que é conhecido de todos. O mesmo tipo de relacionamento se dá no homem primitivo: ele é tão carente de consciência como a criança. A falta de consciência é que origina a indiferenciação.
Ainda não existe o “eu” claramente diferenciado do resto das coisas, mas tudo o que existe são acontecimentos ou ocorrências, que tanto podem pertencer a mim como a qualquer outro.” (Jung, p.50)

O estado inconsciente da criança é que fornece o ambiente ideal para sua identificação com os pais, o que precisa ficar claro é que o problema surge a partir daquilo que se encontra inconsciente, ou até mesmo aquilo que é ignorado ou encarado como banal. Um casamento que não anda bem, uma mãe que não se encontra feliz, um pai que teme o desemprego ou não conseguir cumprir com suas obrigações ou ambos que não se sentem amados um pelo outro além de toda carga emocional que tem sua origem na própria vida infantil dos pais.
Quais são os pais que não desejam o melhor para seus filhos, que não ira medir esforços para oferecer a melhor educação, melhor roupa, melhor alimentação, o melhor em tudo, por outro lado, qual é o pai ou a mãe que não sente culpa por essa ausência em casa, por essa falta de tempo. Agora imaginem essas crianças recebendo o melhor que seus pais podem oferecem e junto com tudo isso o sentimento de culpa pela ausência  que é  pode ser sentida através do inconsciente. Qual não é a confusão no meio todos todos esses sentimentos ?
Já em 1915 Jung alertava para esse problema:

“Para toda pessoa de responsabilidade moral, que ao mesmo tempo é pai ou mãe, esse fato representa um problema de certo modo amedrontador.
Cada um logo compreende: aquilo que conseguimos controlar mais ou menos, isto é, a consciência e seu conteúdo, é, no entanto, apesar de todo nosso esforço, ineficiente quando comparado com os efeitos incontroláveis do fundo psíquico. Sobrevém a qualquer pessoa um sentimento de extrema incerteza moral quando se começa a refletir seriamente sobre o fato da existência de atuações inconscientes. Como então se poderá proteger as crianças contra os efeitos provenientes de si próprio,quando falha tanto a vontade consciente como o esforço consciente?
Indubitavelmente será de grande utilidade para os pais saberem considerar os sintomas de seu filho à luz dos seus próprios problemas e conflitos.
[..] Por isso deverão os pais estar sempre conscientes de que eles próprios, em determinados casos,constituem a fonte primária e principal para as neuroses de seus filhos.” (Jung, p.51)

Um exemplo interessante sobre a questão do inconsciente é retratado em um seminário onde estava sendo discutido os muitos significados da cruz e da lua.
No dia seguinte uma mãe que participava do seminário trouxe um desenho de seu filho, no desenho do garoto era possível perceber a lua e a cruz , a mãe em nenhum momento conversou com o filho sobre seu dia, pois a criança tinha apenas 5 anos.
Outro exemplo interessante é do próprio Jung, seu paciente trazia pouco material para se trabalhar em terapia, certo dia Jung resolveu perguntar sobre os sonhos de seus filhos, pois certamente seria possível saber o que se passava no inconsciente deste pai através dos seus filhos.
 
Portanto, apesar dos esforços empreendidos pelos pais, ainda sim, muitas coisas se passam de forma inconsciente e os filhos acabam se tornando os fieis depositários destes conteúdos.
Por isso gosto da frase de um amigo “Os pais são os culpados que não tem culpa” mas hoje me permito a fazer uma pequena alteração.
 
“Os pais são os culpados que não tem culpa, mas ainda sim são responsáveis”

É verdade que não existe uma formula magica para a melhor educação das nossas crianças, mas acredito que uma boa dose de auto consciência, seja dos pais, dos professores ou qualquer outro adulto seja o ponto de partida para oferecer o melhor para cada fase da vida infantil.

Daniel Gomes
psicoterapia junguiana
dgterapia@gmail.com


referencias
JUNG, Carl Gustav. 2011. O desenvolvimento da personalidade.
__. 2014. Seminários sobre análise de sonhos. 

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