Muitas vezes na terapia é transferido para figura do analista um arquétipo de salvador, de mago branco, homem sábio que irá salvar o paciente de qualquer problema e que irar curá-lo de tais males, seja do passado ou do presente.
Nesta inconsciência mútua, o analista é exigido mais ainda, pois, é como se aquilo que perturba o analisando fosse transferido para o analista, e caso o analista não esteja preparado para receber essa carga, analista e analisando podem se tornar reféns desta inconsciência, reféns de uma batalha direta com as trevas.
Jung buscou o auxílio na alquimia e principalmente nas figuras do Rosarium Philosophorum, por entender que os alquimistas , assim como os analistas travam essa batalha de maneira idêntica, onde o alquimista já não sabia se era ele quem realizava a obra ou se ele mesmo era obra. A figura abaixo representa uma situação psíquica interpretada por Jung da seguinte forma.
A situação psíquica descrita pela gravura corresponde exatamente ao que se deduz da cuidadosa análise da transferência. A situação convencional do início segue-se uma “familiarização” inconsciente com o parceiro, através da projeção das fantasias infantis (e arcaicas) que antes incidiam sobre os membros da própria família do paciente e que o mantém acorrentado por fascínio (de tipo positivo ou negativo) a seus pais e irmãos. (JUNG, 2011b p. 103)
Através do estudo da figura 1, Jung monta um diagrama que demonstra como é a dinâmica que acontece entre duas pessoas na ocorrência de uma transferência, o mesmo esquema, porém mais didático, também foi demonstrado por Mario Jacoby (JACOBY, 2011)analista junguiano de Zurique.
O diagrama demonstra a varias interações que acontecem entre analista e analisando, demonstra a comunicação consciente linha “a”, a influência subjetiva que analista e analisando podem causar mutuamente no inconsciente de cada um, representado nas linhas “e” e “f”, o produto desta influencia é a interação com o próprio inconsciente linhas “d” e “c”. E na linha “b”, no nível inconsciente, segundo Jacoby, é que acontece a transferência e contratransferência. (Cf. Jacoby, 2011 p. 50)
O envolvimento de analista e analisando no processo analítico, coloca em evidência a possibilidade de que conteúdos do analista também podem constelar nesta relação, neste sentindo Von Franz (VON FRANZ, 2011 p. 262), diz que “o complexo materno negativo de um analisando, por exemplo, evoca na memória do analista imagens negativas semelhantes”, Jacoby (JACOBY, 2011 p. 54) complementa, “o analista inconscientemente vivencia seu paciente como se ele tivesse expectativas como as de sua mãe; ele teme a perda de amor, caso ele decepcione seu paciente”, é exatamente neste momento que o analista pode sofrer os efeitos da contratransferência.
O estado de presença e consciência que o analista tem de si próprio durante uma sessão, pode contribuir e aguçar sua percepção da contratransferência que pode estar ocorrendo. Essa percepção é a luz que pode revelar se é uma transferência positiva ou negativa, como exemplo o caso contato por Jacoby para ilustrar:
Uma jovem mulher, analisando minha por muitos anos, veio um dia para a sessão e disse: “Eu simplesmente não sei se sonhei isso ou se realmente aconteceu”. Ela balbuciou essa frase com um tom de voz retraído, depressivo e ligeiramente pueril. Eu pude me ouvir respondendo de forma bastante rápida e com um tom um pouco ríspido e irritadiço: “Você certamente deve saber se algo é sonho ou realidade”. (JACOBY, 2011 p. 58)
Nesta situação Jacoby, tem a percepção de sua resposta e se questiona, o que o levou a responder de tal forma, a se comportar daquela maneira, após essa autoanálise e a resposta de sua analisando, pode perceber que agiu da mesma maneira que a mãe da jovem, o que abriu caminho para explorar tal comportamento. (Cf. Jacoby, 2011 p. 59) Essa autoconsciência pode dar ao analista a real noção do que pode estar acontecendo entre ele e seus analisando, direcionando assim a análise de forma positiva.
O trabalho de base da transferência acontece inicialmente entre os aspectos mais sombrios da alma humana, afinal todos trazem um aspecto inferior, ou seja, uma sombra, que constitui um perigo real. Ao trabalhar com a sombra corre-se o risco de ser subjulgado por ela, contudo, podemos tomar consciência de tais aspectos obscuros e com essa consciência a possibilidade de não se deixar vencer por tal força.
Daniel Gomes
psicoterapeuta junguiano
dgterapia@gmail.com
referencias
JUNG, Carl Gustav. 2011b. ab-reação, análise dos sonhos e transferência.
__. 2011c. A vida simbólica.
JACOBY, Mario. 2011 O encontro analítico
GUGGENBÜHL-GRAIG, Adolf. 2008 Abuso de poder na psicoterapia: e na medicina, serviço social, sacerdócio e magistério