Transferência e Contratransferência ( Parte 1/2 )

A transferência é algo natural que acontece em qualquer relação, não é uma obra exclusiva do trabalho terapêutico. Umas das bases da relação terapêutica entre o analista e o analisando se encontra em torno do fenômeno da transferência, que para Jung (JUNG, 2011b p. 46), “o êxito ou fracasso do tratamento tem, no fundo, muito a ver com ela”.

Mesmo sendo um fator importante, ainda sim, não é algo simples de resolver, mesmo que o analista tenha todo conhecimento da teoria analítica, o próprio Jung alerta que conhecimento e bom senso não bastam, pois conforme autor explica.

A transferência pode ser comparada aqueles medicamentos que para uns são remédio e, para outros, puro veneno […] certos casos uma mudança para melhor, em outros, um entrave, um peso, ou coisa pior, e num terceiro caso, finalmente, pode ser relativamente irrelevante. Entretanto, é quase sempre um fenômeno critico que brilha nas mais diversas cores, e a sua ocorrência é tão significativa quanto sua não ocorrência. (JUNG, 2011b p. 47)

Por se tratar de um fenômeno relacionado ao inconsciente, Jung fez uso da simbologia alquímica principalmente do Rosarium Philosophorum como forma de representar o que acontece na transferência, segundo Jung, “tais representações contêm a relação da transferência, embora não de forma consciente, mas como pressuposto inconsciente”.  (JUNG, 2011b p. 48)
Antes que se possa compreender a transferência, se faz necessário saber que a projeção é o primeiro fenômeno do inconsciente possível de observar através da análise clinica, essas projeções vão em direção a pessoas ou em condições objetivas de forma subjetiva, muito destes conteúdos projetados são integrado ao individuo, segundo Jung (JUNG, 2011b p. 53), “pelo simples reconhecimento de que fazem parte do seu mundo subjetivo”.


Para Jung “o processo psicológico da transferência é uma forma específica do desenvolvimento mais generalizado da projeção” (JUNG, 2011c p. 154). É através da transferência que se torna possível o confronto e reconhecimento de todas nossas projeções infantis, possibilitando assim nossa evolução e expansão de nossa consciência.

 

O ponto de ligação entre a projeção e a transferência é através das emoções, segundo Jung (JUNG, 2011c p. 156), “a emoção dos conteúdos projetados sempre forma uma ligação, uma espécie de relacionamento dinâmico entre o sujeito e o objeto, que é a transferência”.
 
A transferência acontece nos casos em que não é possível a total integração destes conteúdos projetados, o que não é integrado é transferido, entre esses conteúdos transferidos Jung deixa explicito a relação com os progenitores do sexo oposto (Cf. Jung, 2011b p. 53), em complemento o Dr. Adolf Guggenbühl-Craig, diz:

Na transferência, vê-se em outra pessoa algo que não existe, ou talvez só exista de forma latente ou nascente. Como se sabe, o paciente pode ver no analista um pai ou irmão, um amante, um filho ou filha, e assim por diante – quer dizer, ele pode transferir para o analistatraços pertencentes aos personagens que tiveram um papel importante em sua vida. (GUGGENBÜHL-CRAIG, 2008 p. 46)

 
Jung da o devido reconhecimento à Freud a respeito do enorme valor terapêutico da ligação entre medico/paciente, no caso da psicologia analítica, entre analista/analisando. Mesmo reconhecendo seu devido valor, Jung não concorda com o fato de a técnica freudiana procurar evitar a ocorrência da transferência na medida do possível.
Jung firma que em certos casos “tal procedimento pode prejudicar consideravelmente o efeito terapêutico. É inevitável que o médico seja de certa forma influenciado, e que sua saúde nervosa sofra alguma perturbação ou dano”. (JUNG, 2011b p. 54)
A essa perturbação ou dano ao qual Jung faz referencia, é dado o nome de contratransferência na qual o fenômeno acontece do analista para analisando e não mais do analisando para o analista como na transferência, é preciso ter em mente que assim como o paciente é influenciado por esses conteúdos do inconsciente, o analista também pode ser influenciado, para Jung:

O fato de o paciente transmitir ao médico um conteúdo ativado do inconsciente também constela neste último o material inconsciente correspondente, através da ação indutiva regularmente exercida em maior ou menor grau pelas projeções. Médico e paciente encontram-se assim numa relação fundada na inconsciência mútua. (JUNG, 2011b p. 59)


Daniel Gomes
psicoterapeuta junguiano
dgterapia@gmail.com


COMPARTILHAR

Leave Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.