Uma frase que eu li em uma entrevista do Mario Sergio Cortella não sai da minha cabeça “Não aceitamos fazer parte de uma engrenagem”. E por conta disso, me inspirei a escrever sobre esta minha inquietação.
O mundo hoje está parecendo um trem desgovernado…correndo trilho abaixo sem o mínimo controle. Temos que dar conta de tudo, saber o que acontece no mundo inteiro quase que em tempo real, viver uma vida não apenas boa mas fantástica, trabalhar em uma empresa reconhecida mundialmente, estudar em escolas de prestigio, enfim, praticamente adotar um sobrenome super para validar e qualificar todo o seu sucesso.
Principalmente no ambiente profissional, cobramos de nós mesmos metas cada vez maiores, custe o que custar. Não basta trabalhar em um local bacana, que te valorize se seus amigos ou seus colegas de profissão não o reconhecem como bacana. Todas as qualidades já faladas são caladas pela série de demandas impostas.
O filho não pode ser só uma criança na média, tem que ser o mais inteligente. E assim vamos estimulando a busca de um ideal que está anos luz de uma realidade saudável e equilibrada e também vamos inflamando o ego desses futuros adultos que um dia vão se cobrar uma performance ultra pois nada menos cabe a ele que é tão o máximo – é quase que um pecado desperdiçar tanto talento em coisas tão ordinárias. E aí eu me pergunto: o que é ser ordinário para essas pessoas?
Me arrepia a alma toda vez que eu escuto “quero deixar um legado” – e olha que venho escutando com uma certa frequência. Mas peralá…para tudo!! Você quer deixar um legado? Bom, por definição um legado é algo que é deixado para um todo, e não para uma única pessoa; algo que se passa de geração para geração. Se pararmos para olhar todas as pessoas que deixaram efetivamente um legado percebemos que elas não tinham isso como objetivo. Estavam fazendo algo que desejavam, algo que vinha do self; outras errando e mudando a rota do que se pretendia e acabaram descobrindo uma coisa totalmente brilhante e aí sim o legado é deixado…mas sem a pretensão disto acontecer.
Acredito que ao querer deixar um legado, a pessoa vai se enganar. Vai se contentar com a primeira grande ideia que será desmontada na primeira oportunidade por uma outra pessoa. Isso porque será o ego que vai avaliar toda essa estratégia e não o self, que tudo sabe e por acessar uma totalidade, pode colocar a disposição algo que vai ajudar muita gente e não alguns que o ego quiser impressionar.
A guerra pela supervalorização é tanta que você não pode só trabalhar, tem que deixar um legado; você não pode só amar, tem que ser inesquecível; não pode só se superar, mas tem que superar uma humanidade. Essas pessoas passam a viver de forma superficial pois não podem correr o risco de uma entrega profunda que pode tirar o foco. É um jeito de viver plástico que não permite se contentar apenas. É aí que volto para a frase do inicio: qual problema em viver algo que só dê satisfação pessoal e não mundial? Qual problema em trabalhar para o seu sustento e buscar a realização e felicidade em outras área da vida?
Mas já que a linguagem do super é mais bem entendida pela maioria, vou deixar uma provocação: que tal olhar o super descontrole e super desequilíbrio do seu self e se permitir ser “mais um” mais genial e inteiro que você já conheceu?
Marcella Helena Ferreira
Psicoterapeuta Junguiana, taróloga
marcella@conhecendojung.com.br