Os segredos e a prisão da alma

Muitas vezes dentro do consultório nos vemos diante de alguém falando que muito do que se conversa com o terapeuta já foi conversado com amigos e/ou parentes. Frases como “Eu converso com meu marido sobre isso” ou “Eu converso com meus amigos, com meus pais” são comuns.
Até parece que existe uma magia que envolve o processo dentro do consultório. Mas existem certos detalhes que não são abertos em nosso convívio, existem coisas que muito do que se gostaria de falar não é falado. Afinal, mantemos um limite que julgamos seguro para nossa relação social.
Algo semelhante também acontece em famílias que se encontram em luto, pais que descobrem da opção sexual do filho ou relacionamentos sem dialogo, as dores, os questionamentos ou duvidas são reprimidas e os únicos confidentes destes segredos são nossas almas na escuridão da noite em nossas camas. 
 
Quantas vezes somos questionados se está tudo bem e a resposta é um automático “sim está” disfarçado por um sorriso forçado, e neste momento, mais uma vez o coração se derrama em lagrimas, sem vida, mais uma vez a alma se encontra aprisionada.
Em outras ocasiões, temos atitudes totalmente irracionais que muitas vezes não conseguimos compreender ou se quer refletimos a respeito, por não entender ou por achar que tudo começou por causa do outro. Um bom exemplo é a historia de um garoto que se achava excluído por ser temporão, achava que não tinha o mesmo amor que os irmãos bem mais velhos recebiam, passou a ter atitudes agressivas e totalmente sem sentido, mais tarde se descobriu que o garoto não era temporão, mas sim adotivo. Existia um segredo guardado por essa família que se revoltou, e essa ocultação voltou-se contra a própria família.
 
A questão do segredo é tão complexa que foge da razão e da tentativa de uma explicação racional, pois nos leva em direção aos mistérios, ao oculto. Jung faz essa relação do segredo com a questão da criação do pecado, pois seria neste momento que surge também a parte oculta do psiquismo e que Jung entendeu como sendo “a coisa recalcada”, podemos entender isso como um segredo de si mesmo. Afinal como escrever Jung “O que é oculto é segredo”.
O problema do segredo é que em determinado momento, tais conteúdos inconscientes passam a ganhar uma certa autonomia e conforme Jung explica:

Quando se tem consciência daquilo que se oculta, o prejuízo é menor do que quando não se sabe que se está recalcando e o que se recalca. Neste ultimo caso, o conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante a si mesmo; separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, e leva como que uma existência autônoma na esfera da alma inconsciente, sem ser perturbado por interferências e correções conscientes.

Por isso manter a alma aprisionada por esses segredos é um caminho para se desencontrar si próprio, afinal, um complexo autônomo surge sem qualquer controle como um “outro eu” totalmente desconhecido e capaz de coisas impensáveis, basta uma situação como uma batida de carro, um desentendimento no trabalho ou uma briga com o parceiro para que essa pessoa dentro de si se torne real.
 
A questão dos segredos descoberto e revelados dentro do processo terapêutico são de grande importância, essa revelação e o ato de compartilhar é que se configura como a grande mágica, como a grande chave para a libertação da alma, pois para Jung o maior prejuízo desta situação ocorre “somente quando o segredo e a contenção são de ordem exclusivamente pessoal.”
Jung ainda complementa:

Apenas a contenção pessoal é nociva. É como se a humanidade tivesse um direito inexpugnável sobre a parte obscura, imperfeita, boba e culposa da pessoa humana, coisas que costumam ser mantidas em segredo, por razões de autodefesa. Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciente da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens.

Por isso os segredos aprisionam a nós e nossas almas, são através deles que se erguem muros que nos isolam do mundo. O ato de maior coragem talvez não se de para os mais bravos e corajosos, mas para aqueles que se reconhecem dentro de suas próprias limitações. 

Daniel Gomes
psicoterapeuta junguiano
dgterapia@gmail.com

referencias
JUNG, Carl Gustav. 2011b. A pratica da psicoterapia.

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